domingo, 27 de fevereiro de 2011

O DESAFIO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

           Trazemos aqui uma reflexão que visa aprofundar algumas questões relacionadas ao processo de participação e controle social através de diversos instrumentos, institucionalizados ou não, destacando os Conselhos de Gestão de Políticas. Esses espaços institucionais híbridos - porque combinam a participação da sociedade na gestão das políticas com o Estado – tiveram sua implementação ampliada em todas as áreas sociais nos três níveis da federação, desde o início dos anos de 1990. O atual estágio de organização desses espaços gestores exige uma análise para perceber os ganhos obtidos em termos de participação e controle social na gestão “do público”, bem como identificar os limites desses instrumentos e indicar perspectivas quanto as suas possibilidades de numa contribuição efetiva na proposição e implementação de políticas públicas emancipadoras.

            O que são políticas públicas

            São ações públicas assumidas pelos governos, instituições públicas estatais com ou sem participação da sociedade que concretizam direitos humanos coletivos ou direitos sociais garantidos em lei. Não se pode falar em política pública fora da relação entre estado e sociedade. Ela compreende tudo o que o Estado faz ou deixa de fazer: o investimento, os segmentos beneficiados ou excluídos pelos serviços. Nessa compreensão, as políticas públicas podem oportunizar a melhoria da qualidade de vida da população redistribuindo renda, ou pode privilegiar setores dominantes da sociedade aumentando ainda mais a concentração da renda e da desigualdade social.
            É o que tem acontecido historicamente no Brasil. Os governos investiram os recursos públicos no fortalecimento dos setores privilegiados da sociedade (infra-estrutura para indústrias e grandes investidores, modernização das indústrias que substituem máquinas por trabalho humano, altos financiamentos para alguns setores...). Separaram a economia da sua dimensão social. Acreditavam e ainda acreditam que desenvolvendo a economia – a partir das grandes empresas – a população toda seria beneficiada. Essa promessa da “divisão do bolo” que não para de crescer, nunca aconteceu de forma a beneficiar os setores mais marginalizados.
            A década de 80 trouxe, para a sociedade brasileira, o grande desafio de romper com o trato privado da coisa pública e, conseqüentemente, romper com o clientelismo, com as relações de favor, enfim, com a dominação da democracia representativa. Neste sentido, os conselhos de políticas e de direitos devem ser entendidos como canais de participação social, institucionalmente reconhecidos, com competências definidas em estatuto legal, com o objetivo de realizar o controle social de políticas públicas setoriais ou de defesa de direitos de segmentos específicos.
            Entretanto, a conjuntura que começou a ser gestada no Brasil, logo após a promulgação da Constituição de 1988, é completamente adversa a tudo isto.  O ideário neoliberal trouxe como conseqüência, destruição da máquina pública, encolhimento do espaço público e a diminuição de investimentos em políticas sociais.  As conseqüências da implementação de tal ideário nas sociedades que, como a brasileira, têm uma longa história de dependência e subordinação ao capital internacional, são expressas no acirramento das desigualdades, na desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas e no agravamento da questão social (aumento da pobreza, da exclusão, da violência etc).
            Então se conclui que as políticas públicas difundidas pelo neoliberalismo são injustas, excludentes, colocando na miséria cada vez um número maior de brasileiros e brasileiras. As políticas públicas no Brasil, até hoje, não conseguiram beneficiar a todos em igualdade de condições. Por isso que continua aumentando a desigualdade e o número dos que empobrecem e ficam mais miseráveis. Assim, as atuais políticas não são de fato públicas, porque privilegiam alguns setores que recebem os grandes investimentos. E para os pobres acabam sobrando as migalhas (distribuídas nas chamadas políticas sociais compensatórias). São portanto, políticas anti-sociais. As políticas públicas existentes hoje são, concretamente, uma parte do chamado “contrato social”, uma regulação tripartite entre Estado-Sociedade-Mercado, dentro das atuais condições de organização da sociedade brasileira. Esse contrato é a Constituição Federal, mas que acaba não sendo cumprida nos seus direitos sociais.
            Mas então, qual o sentido do nosso trabalho? Primeiramente, acreditamos na possibilidade de um outro modelo de sociedade onde as políticas sejam de fato públicas, isto é, em benefícios de todos/as onde haja garantia da igualdade de condições para todos os cidadãos e cidadãs. Onde a distribuição ou redistribuição igualitária de recursos, bens e serviços seja uma resposta coletiva às necessidades individuais e sociais. Assim, as políticas públicas deveriam contribuir para melhorar a qualidade de vida para toda a população (universalização de direitos).
            O que é qualidade de vida? É a vida bem-vivida, sem luxo, mas com dignidade. Para ter qualidade de vida necessitamos espaço físico saudável; vestuário e moradia compatíveis com o clima; grupo de convívio com espaço para amar, sorrir, brincar e chorar; alimentação sadia; liberdade de produzir cultura; saúde, educação, proteção (segurança – diferente de força policial).
            A condição para alcançar essa vida bem-vivida exige políticas públicas emancipadoras estratégicas que estimulem a criação de novas formas de vida. Com o esforço especial da participação da sociedade organizada (especialmente os movimentos sociais) podemos propor e exigir políticas promotoras de vida digna. Para nós, a vida digna deve criar novos paradigmas de convivência solidária, de produção e consumo (superando o consumismo), o que implica em profundas transformações econômicas, culturais, políticas e sociais.
            Essa é a nossa utopia que nos move. Mas por ora, nossa realidade é outra e precisamos estar com os pés no chão. As condições do modelo capitalista dependente no atual contexto de globalização negam cada vez mais a possibilidade de uma vida digna para a maioria da população. Então vamos lutar com o que a sociedade conseguiu conquistar através da organização. Vamos fortalecer a organização e exigir do Estado a garantia de políticas sociais, não assistencialistas, mas emancipadoras.
            As políticas sociais iniciaram no Brasil no período Vargas quando as políticas públicas começaram a privilegiar setores ligados ao desenvolvimento econômico (via industrialização) enquanto crescia rapidamente o número de marginalizados. Nesse contexto afirmavam-se as bases do capitalismo dependente e as políticas surgiram para amenizar as chagas da economia que deixava boa parte do povo à margem. As políticas sociais, através de programas de assistência, foram a ação do governo para controlar o descontentamento, a revolta e evitar a convulsão social. Daí se fortaleceu a cultura do paternalismo, do assistencialismo e do clientelismo tão arraigada hoje em nossa cultura e prática política (politicagem). Se de um lado as políticas sociais surgiram como esmola dos governos, de outro lado, elas foram também o resultado da capacidade de luta das forças sociais (movimentos comunitários / populares, lutas dos operários - sindicalismo) de exigir trabalho, moradia, alimentação, educação, saúde, etc.
            Em síntese, como as chamadas “políticas públicas” não contemplam a todos/as, são necessárias políticas sociais para garantir os direitos básicos aos que não estão contemplados no projeto capitalista neoliberal. Diretamente devem beneficiar 1/3 da população brasileira que está abaixo da linha de pobreza. Hoje esses direitos sociais estão afirmados na Constituição de 1988 (Art. 6º): “educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados...”
            
            O poder da sociedade está na organização e mobilização
             
            As políticas públicas e políticas sociais são sempre um resultado do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder na sociedade. Nessas relações participam, mais ou menos, todos os setores organizados da sociedade, com os mais diversos interesses. É uma relação de disputa que se dá ou repercute também nas instâncias dos poderes tradicionais (executivos, legislativos, judiciário) e nos novos espaços institucionais como são os conselhos paritários. O jogo de forças sociais motivados pelos diferentes interesses na sociedade envolve a dimensão política, econômica, educativa (saber) e cultural. É assim que se exerce o poder na sociedade.
            O poder negativo é o que nasce a partir de “imposições” ou “reconhecimento alienado” (“cultura do silêncio, de dependência”). Essa dominação de alguém (de uns) sobre outro(s), é resultado de heranças históricas de dominação política, econômica, cultural reforçado pelo nível de escolaridade. Alguns que já têm mais poder que outros, fortalecem esse poder a partir da posição social e riquezas individuais.
            Já o poder positivo nasce do “reconhecimento social” resultado da organização, da boa liderança, do exemplo pelo serviço desenvolvido com a coletividade. Uma forma de reconhecimento democrático do poder se dá pelo voto. Embora seja importante, a democracia representativa é uma parte do poder que o eleitor e a eleitora delega a alguém. Mas cada um deve continuar exercendo o seu poder no dia-a-dia da vida através da organização e participação social e política.
            Numa sociedade desigual como a nossa, a maioria do povo, com pouco poder individual, tem a única chance de reforçar seu poder de forma solidária. “A união dos fracos resulta numa força social”. Pela organização e mobilização os pobres podem tornar-se uma força social com mais poder e disputar direitos com outras forças sociais: podem resistir, propor, exigir. Para vencer o poder econômico e político dominante é necessária muita organização e mobilização.
            Se a democracia verdadeira é impossível no capitalismo em função das condições desiguais em que a população se encontra (dependência cultural, econômica, política e religiosa), é preciso utilizar os instrumentos de organização e luta do povo e ir construindo uma democracia participativa em todo lugar: na família, na escola, na associação de moradores, no sindicato, na cooperativa, nos movimentos, nos projetos de economia solidária, nas comunidades eclesiais, nas administrações municipais, nos conselhos e fóruns e assim por diante.
            Os estaremos exercendo nosso poder de forma solidária, contribuindo para alcançar os objetivos da Constituição do Brasil: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”; “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”; “promover o bem de todos sem preconceitos...”. Cabe ao conjunto da sociedade continuar lutando para o alcance desses objetivos e não só esperar pelos governos.
            Um desses espaços de democracia participativa para assegurar a realização dos direitos sociais, podem ser os Conselhos. Eles foram instituídos, na atual forma paritária, desde a proclamação da nova Constituição Federal de 1988. Alguns Conselhos como o da Saúde e da Educação foram atualizados porque já existiam antes. Mas a maioria foi criada a partir da regulamentação das diversas políticas através de leis próprias, como: 

Sistema Nacional do Meio Ambiente-SISNAMA, foi instituído pela Lei 6.938/81 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, regulamentada pelo Decreto 99.274/90;
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (Lei n. 7353/85).
Estatuto da Criança e Adolescente (ECA, Lei 8069, 1990),
Sistema Único de Saúde (SUS, Lei 8080, 1990),
Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS, Lei 8742, 1993) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS – 1995, a partir da V Conferência Nacional de Assistência Social),
Política Nacional do Idoso (PNI, Lei 8842, 1994) e Estatuto do Idoso (2003),
Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, Lei 9394, 1996),
Política Nacional para Integração de Pessoa Portadora de Deficiência (PPD, Lei 7.853, 1989 – regulamentada pelo Decreto 3298, 1999),
Estatuto da Cidade (2001) e Conselho da Cidade (2004),
Conselho de Segurança Alimentar Nutricional Sustentável (2003)
Fórum Brasileiro de Economia Solidária (2003) e Conselho de Economia Solidária (2005)
          Atualmente, existem 38 Conselhos organizados, em nível de País. A maioria deles tem organização estadual e alguns funcionam nos municípios.

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